quarta-feira, 2 de junho de 2010

MATERIA PUBLICADA NO JORNAL O TEMPO, 24/04/2010, PAG Nº 28 – COLUNA JÚLIO DE ASSIS

Os criadores foram abrindo as gaiolas e a cidade ganhou mais pássaros passeando pelos quintais, telhados e praças
Hélvio

Canário-chapinha, trinca-ferro, papa-capim

Vejo ao lado da casa em uma placa de madeira os dizeres pintados em branco com o reclame: Vendo gaiolas de passarinho e conserto violão. Embora sejam, para mim, atividades discrepantes criar passarinho em gaiola e tocar violão, admito que tem lá sua carga no imaginário a figura do violonista tocando e tendo como ouvinte o pássaro na gaiola, o qual o músico solitário cuida diariamente com alpiste e água.

Claro que o homem do reclame "vendo gaiola" deve criar pássaro e possivelmente até vender, mas não poderia colocar isso na placa, sob o risco de ser preso. E me vem à lembrança o caso do morador de Fortuna de Minas que fez uma campanha para que os criadores de pássaros em gaiolas soltassem os bichos. Ele mostrou com seu exemplo que bastava deixar alimentos em vasilhas que os pássaros retornariam, comeriam e cantariam satisfeitos, ou muito mais satisfeitos. Assim, os criadores foram abrindo as gaiolas e a cidade ganhou mais pássaros passeando pelos quintais, telhados e praças.

Fortuna de Minas é uma pequena cidade localizada na região central do Estado, a cerca de 100 quilômetros de Belo Horizonte, com aproximadamente 2.800 habitantes. Em certa época o município foi conhecido como possível foco de atração de Objetos Voadores Não-Identificados (OVNIs).

Fortuna é também a terra escolhida pelo marchand e ex-goleiro do Cruzeiro Vítor Braga para angariar amigos em torno de seu condomínio Vitorina Park e fabricar a elogiada cachaça Vitorina, além de cuidar de suas obras de arte.

O autor da façanha dos passarinhos é o funcionário dos Correios Washington Moreira Filho, 43 anos, natural de Fortuna de Minas e que na infância também teve suas criações em gaiolas. Mas há alguns anos ele começou a observar que os canários-chapinha e outras espécies estavam desaparecendo da cidade. "A gente anda muito aqui nas fazendas da região e eu via os canários circulando, mas a partir das proximidades da cidade eles não apareciam porque as pessoas estavam pegando pra prender nas gaiolas", me conta ele.

Foi então que Washington decidiu tentar mudar a situação. "Comecei conversando com os amigos sobre uma campanha contra os pássaros presos. Passamos a fazer reuniões, no começo com poucas pessoas, daí a pouco já participavam mais moradores e gente do Ibama, Polícia Ambiental (antiga Polícia Florestal), vereador, prefeito. O passo seguinte foi fazer um trabalho de conscientização e criamos panfletos, cartazes, distribuímos comunicados pela cidade e passei a fazer palestras nas escolas, mostrando para os alunos a necessidade de protegermos a nossa fauna", relembra ele.

Washington me diz que não foi assim tão fácil convencer os criadores de pássaros em gaiolas, mas entre os principais argumentos dele, lembrava aos fortunenses como a cidade tinha tantos pássaros antes nos quintais e praças e como haviam diminuído. Argumentava também que não havia necessidade de prender, que eles poderiam viver soltos na pequena cidade. Os mais resistentes usavam como estratégia para não aderir, a alegação de não acreditarem que todos soltariam. "E se seu soltar o meu e os outros não soltarem?", questionavam. Foi marcada então uma data, em 2008, com grande adesão, e a partir daí, além de não prenderem mais em gaiolas, os antigos criadores viraram fiscais da campanha. "Fica todo mundo de olho pra ver se tem algum preso", relata Washington.

O funcionário dos Correios conta que já se nota a presença maior dos pássaros pela cidade, principalmente dos canários-chapinha, trinca-ferros e papa-capins. O prefeito colocou uma placa na entrada de Fortuna denominando a "Cidade dos Pássaros". "Eles triplicaram, acho que o ápice mesmo será daqui a dois anos, pois é preciso um tempo maior. No início a gente ainda deixava comida para atrair os que ficavam em gaiolas e estavam desacostumados a buscar seu alimento, hoje nem é necessário, estão reintegrados à natureza e os filhotes são assim naturalmente", comemora Washington.

Se depender de Fortuna de Minas, o nosso amigo lá do início que vende gaiola e conserta violão só vai conseguir sobreviver de música.

4 comentários:

  1. É explendida a iniciativa desses moradores em preservar a fauna da cidade de Fortuna de Minas. Esse é o exemplo que nossos jovens e crianças deveriam seguir!

    Ao Briguel e demais envolvidos meus parabéns e sinceros votos de sucesso!

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  2. Vimos na prática que o incentivo sensibiliza muito mais o cidadão do que a multa. A Campanha para preservar pássaros é um sucesso e um exemplo a seguir.
    Parabêns

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  3. Tais muito obrigado pelo incentivo, vc sabe que tem uma grande contribuição nisso tudo aqui né.
    Um abraço

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  4. Parabéns Washington Moreira e Moradores de Fortuna, sábio é o homem que sabe colher flores; mesmo em meio á guerra. Sensível e profundo este projeto. Mais uma vez parabéns e sucesso. Kátia Moreira

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